domingo, 3 de janeiro de 2010

O gato e a barata

O GATO E A BARATA



A baratinha velha subiu pelo pé do copo que, ainda com um pouco de vinho, tinha sido largado a um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena distância que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha caiu dentro do copo. Debateu–se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu–se mais, bebeu mais, tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de suas aflição, do alto do copo.

- Gatinho, meu gatinho – pediu ela – , me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair eu deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva.

- Você deixa mesmo eu engolir você? – disse o gato.

- Me saaaalva! – implorou a baratinha. – Eu prometo.

O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada.

- Que é isso? – perguntou o gato. – Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que deixaria eu comer você inteira.

- Ah, ah, ah – riu então a barata, sem poder se conter. – E você é tão imbecil a ponto de acreditar na promessa de uma barata velha e bêbada?



Moral: Ás vezes a autodepreciação nos livra do pelotão.



(Millôr Fernandes. Fábulas fabulosas. 8. ed. Rio de Janeiro, Nórdica, 1963. p. 15-6.)


Outra moral: nem sempre os felinos são tão espertos quanto pensam.

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